CELEBRIDADES E MARCAS: o que podemos aprender com o caso Kanye West e como a estratégia de collabs pode nos ajudar
Esse texto abre uma nova linha editorial de artigos em colaboração e em rede. É uma oportunidade para compartilharmos cases, reflexões sobre e com o mercado e para expandirmos nossa visão de temas caros à Decah. E é uma honra inaugurar esse movimento com a Carla Purcino, grande parceira da Decah e uma especialista em comunicação admirável pela coerência, competência e por suas provocações sobre o mercado atual. Carla foi
uma pessoa fundamental no processo de transição de identidade da Carioteca para Decah e também uma articuladora de pontes: foi através dela que nos conectamos com a Ambev, um projeto que foi berço para a metodologia Colab 3.0. — Vinicius de Paula Machado
O multiartista Kanye West (ou Ye) ocupou a mídia do entretenimento neste fim de 2022 com mais uma rodada de ofensas, desta vez dirigidas aos judeus e à comunidade negra. Em que pese não ser a primeira vez que ele manifesta comportamentos controversos e questionáveis (quem acompanha o mundo pop se recorda de um já longíquo MVA de 2009, no qual ele invadiu o palco e tomou o prêmio das mãos de uma incrédula Taylor Swift), aparentemente o antissemitismo foi a gota d’água, fazendo-o perder, numa velocidade considerável, contratos com Balenciaga, Adidas e Gap, causando prejuízos financeiros, como perda de patentes e royalties criativos, e de imagem, tanto para as marcas como para ele.
Este texto não pretende focar em Kanye West (a quem desejo de todo coração que compreenda a extensão de seus atos, por eles consiga se responsabilizar e que também se encontre e consiga ter paz dentro de si) ou qualquer artista/ celebridade/ influenciador em específico, dos mega aos nano, mas em como marcas podem construir relações mais sólidas, proveitosas e com geração de valor compartilhado ao se associarem a estas pessoas. Afinal, se na história temos mais casos de sucesso do que de insucesso, podemos depreender que existam cuidados que, uma vez tomados, reduzam os riscos de uma empreitada como essa.
A discussão não é nova. Na literatura da comunicação e do marketing, o uso de celebridades e mega influenciadores aparece como um recurso fácil e rápido para uma marca ganhar notoriedade/ awareness/ alcance. Já os micro e nano influenciadores seriam uma excelente forma de ganhar relevância e consideração/ aproximação junto a mercados nichados, na construção de comunidades e para a manutenção de conversas mais íntimas/ proprietárias. A equação de valor parece simples: estas pessoas, em sua performance pública, constroem personas que comunicam valores e atributos que potencializam os resultados das marcas com as quais se associam, quase como uma transfusão de propriedades, em troca de contratos, às vezes, milionários.
No entanto, quando usada como um mero artifício, essa estratégia pode “sair pela culatra”. Afinal, como humanos, nossos comportamentos e atitudes não obedecem a um brandbook ou framework desenhado em escritórios, com Dos & Dont’s. Somos falíveis e incoerentes por natureza, temos nossas luzes e sombras, inconstâncias, problemas e intercorrências daquilo que se pode chamar de vida. Então, como construir parcerias de valor e pertinência para todos os envolvidos?
Nosso ponto de vista é o do processo de collabs. Há cerca de 2 anos, fui provocada por Felipe Cercchiari a desenhar um blueprint sobre o tema para a diretoria de inovação da AMBEV. Em associação com a consultoria de estratégia de negócio, cultura de inovação e responsabilidade socioambiental corporativa Decah, construímos não apenas esse direcionamento, em uma jornada de sessões de cocriação com os times de inovação e do portfólio de cervejas, como desenvolvemos um estudo e uma metodologia viva, que acompanha as evoluções do mercado e pode ser aplicada e replicada para outras marcas, produtos e serviços.
O projeto derivou no que chamamos carinhosamente de Colab 3.0, por sua capacidade de 1) Ganho de posicionamento/ reputacional; 2) Servir como nova plataforma de negócios e 3) Catalisar inovação socioambiental corporativa. Mapeamos, nessa primeira oportunidade, mais de 100 collabs do mundo todo. Percebemos padrões que se repetem e os agrupamos em clusters, que são revisados e atualizados a cada projeto, de acordo com a necessidade e natureza de impacto do cliente. Um exemplo é o que ocorreu no planejamento estratégico participativo de Budweiser para a Copa 2022. Dentre estes clusters, está o ‘Celebrity Staff’, que seria justamente quando uma personalidade passa a integrar a equipe de uma marca no desenvolvimento de produtos e serviços. Pode derivar daí uma sociedade, uma nova marca pode ser criada ou a pessoa pode apenas receber pagamento por um projeto pontual.
A seguir, listamos alguns dos atributos que enxergamos como relevantes para a geração de valor agregado no formato collab Celebrity Staff e alguns cuidados que devem ser tomados na busca do melhor match:
1- HORIZONTALIDADE
Numa collab, celebridades não estão a serviço das marcas, como um outdoor em branco. Ao contrário, devem participar ativamente do processo de desenvolvimento do produto ou serviço e sua voz deve equivaler à do time de desenvolvimento, comunicação e marketing da empresa, guardadas as proporções de todas as expertises. Para que isso ocorra, é necessário checar a disponibilidade de tempo e interesse da celebridade em ter essa participação ativa, ao invés de simplesmente “vender” seu nome para assinar uma linha. Por outro lado, essa relação horizontal transmite ao que é desenvolvido muito mais…
2- CREDIBILIDADE
Você realmente achou que a Xuxa tomava banho de Monange? A piada antiga coloca em evidência o choque de credibilidade entre realidade e percepção: se, por um lado, a base de consumidores da marca chegou a acreditar que sim, o restante da população entendia que não era algo crível. Ao unir a verdade da marca com a verdade da celebridade escolhida, o processo originado a partir daí passa muito mais credibilidade para todos, sem ruídos. Para que isso ocorra, a celebridade precisa, de fato, aportar algo de si, de sua história, valores e gostos. Quanto mais ela se colocar no processo, trazendo insights e pontos de vista, mais o resultado final irá imprimir sua essência. Estimular convergências de agendas, preocupações e causas também pode poupar inúmeras surpresas desagradáveis e riscos futuros. Ou seja, é preciso haver…
3- AFINIDADE
Numa collab, deve haver um campo de afinidade e intimidade. Algo da história da celebridade que ressoe com os valores e personalidade da marca. Se a celebridade for reconhecidamente cliente/ consumidora, tanto melhor. Como exemplo, podemos citar quando a cantora Doja Cat, após tweetar inúmeras vezes pedindo o retorno da Pizza Mexicana na Taco Bell (assim como milhares de outros clientes, que chegaram a fazer uma petição online), foi chamada para estrelar o comercial da cadeia no Superbowl e acabou anunciando o retorno do sabor tão desejado no festival Coachella. Esse tipo de sucesso nos leva a entender que collabs bem-feitas geram excelentes resultados de negócios, sendo também uma oportunidade de aumentar a…
4- RENTABILIDADE
Quando uma celebridade passa a ser sócia de um empreendimento, a tendência é que seu comprometimento com o sucesso do mesmo aumente e, por consequência, o zelo por qualquer situação que possa causar prejuízo àquela marca. Voltando para a própria Adidas, podemos citar a associação com Beyoncé, que é dona da Ivy Park, resultando na coleção Ivy Park + Adidas. A sociedade é regida por princípios sólidos de compromisso com equidade e criatividade, focando em mulheres na liderança, propriedade compartilhada, empoderamento e colaboração. Princípios que nos levam ao último item que acreditamos ser um diferencial nas collabs bem sucedidas…
5- CONTINUIDADE
Dizem por aí que “repetição gera reputação”. Continuidade denota consistência que denota credibilidade (e voltamos ao segundo tópico desta lista). Manu Gavassi, influenciadora de Tanqueray desde 2019, tornou-se head de conteúdo da marca em 2021. Desde que Anitta assumiu como head de criatividade e inovação, em 2019, Skol Beats obteve ganhos expressivos em seguidores, engajamento e crescimento de marca. Da mesma maneira, se inferimos que Xuxa não usava Monange (apesar de ser sócia da marca quando esta pertencia a Hypera), sua associação desde 2015 com a rede de depilação Espaço Laser alavancou o IPO de 2021, que chegou a R$2,6 bi.
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Vale lembrar que nenhum método é infalível. O próprio Kanye trabalhou dentro de uma modelagem de collabs muitos bem estruturadas e de participação ativa/sociedade com algumas marcas. Nestes casos, o que fazer?
1- AGILIDADE
Em um mundo digital e de informação veloz, a lentidão na tomada de decisão e pronunciamento das marcas pode lhes custar desde o declínio no valor das ações à queda reputacional, caso os consumidores entendam o silêncio como uma concordância ou um estado de negação dos fatos. As marcas associadas a celebridades que se envolvam em escândalos não devem virar as costas ou brincar de pique, dizendo “comigo não tá”.
2- SOBRIEDADE
É preciso estudar caso a caso e pensar uma estratégia que proteja sim a marca, mas que não esqueça o fato de que, na outra ponta, existe um ser humano que também sofrerá as consequências do rompimento deste laço e do escândalo no qual estiver envolvido. Pelo contrário, essa postura poderia reverter de forma negativa. A decisão pode sim ser pela quebra de contrato e/ou dissolução dos laços de relacionamento, mas pode também caminhar — por que não — para o oferecimento de auxílio à celebridade, quando for possível.
3- TRANSPARÊNCIA
A marca deve vir a público colocar sua posição e anunciar as medidas tomadas. Dessa maneira, ela honra o trabalho feito, honra sua base de consumidores e também a base de fãs da celebridade. Hoje, o risco reputacional para quem opere apenas nos bastidores é muito alto. A melhor solução é a comunicação direta, sem rodeios e transparente.
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A ideia que defendemos aqui é clara: não estamos falando do modelo antigo de endosso ou contratação de um garoto ou garota propaganda (nada contra, até temos amigos que são, rs). Porém, em tempos onde as marcas e celebridades são cada vez mais demandadas por propósito e verdade, parece vir a calhar pensar em um modelo de relacionamento comercial que eleve o tom da conversa e da entrega para consumidores e sociedade.
E, se estamos falando de processos colaborativos, essa jornada e reflexões não seriam possíveis sem os companheiros Vinicius de Paula Machado, Simone Santos, Rafael Bizachi, Luisa Diebold e Marcos Salles, incansáveis nos inúmeros debates, trocas de mensagens, referências, links, estudos etc. Pensar com vocês é uma honra e muito mais enriquecedor.